sábado, 18 de junho de 2011

O Tempo e A Forma

Toda a obra de arte é filha do seu tempo e, muitas vezes, a mãe dos nossos sentimentos.
Cada época de uma civilização cria uma arte que lhe é própria e jamais se verá renascer. Tentar ressuscitar os princípios da arte dos séculos passados só pode conduzir à produção de obras abortadas.
Assim como é impossível fazer reviver em nós o espírito e as formas de sentir dos antigos Gregos, todos os esforços tentados no sentido de aplicar os seus princípios – por exemplo, no domínio da plástica – apenas levarão ao aparecimento de formas semelhantes às gregas. A obra assim produzida jamais possuirá uma alma. Esta imitação assemelha-se à dos macacos. Na aparência , os seus movimentos são iguais aos dos Homens: o macaco senta-se, debruça-se sobre um livro, folheia-o com um ar grave. Mas esta imitação não possui qualquer significado


Kandinsky, Wassily ; Do Espiritual da Arte, pag21; 8ª edição; 2010,Publicações D. Quixote; Alfragide, Portugal

Aqueles que carregam a cruz da expressão artística, um dia, mais cedo ou mais tarde, são confrontados no seu íntimo , como uma série de questões.
Uma dessas questões é o tempo na formalização da manifestação artística.

Toda a manifestação artística, apenas existe a partir do momento em que a mesma é materializada numa forma, é na forma que o conteúdo fica aprisionado e é revelado.
É a forma, em última instância, o meio de comunicação da significação e da revelação da obra, enquanto entidade com identidade própria perante o sujeito que confronta.
A experiência artística é em grande medida uma relação de confrontação, de um sujeito, com ou perante uma determinada materialização artística numa forma. Quando falámos em forma, falámos em algo mais do que matéria ou massa física. Podemos considerar como materialização formal de uma ideia, existências concretas tão distintas como; a pedra de uma escultura, a sequência rítmica de palavras e significados de um poema escrito ou declamado, ou a sequência de sons de uma composição musical…e por ai adiante.

A reflexão anterior sobre a forma, surge neste contexto apenas como uma breve introdução, para facilitar a compreensão da reflexão sobre o texto, de Kandinsky.
Aqueles que leram o livro, de onde foi retirado o excerto, sabem que o autor ao longo do seu livro apela, aos artistas para a procura da alma e da essência verdadeira da arte. Essa essência da verdade artística, é necessária para a construção do próprio Homem enquanto ser . O autor não se apresenta como sendo contra a arte do passado, é sim, contra a imitação simples e vazia da mesma, é deste modo contra uma “arte” simplista baseada na aparência das formas e não na essência das mesmas. Defendendo uma arte de essência baseada no espírito do tempo, onde forma deve a revelar ao Homem moderno a sua natureza profunda e espiritual através da arte. O autor diz ter morrido com a modernidade a criação dessa arte de verdade tendo surgido uma arte de imitação, que vai contra a própria tradição que muitas vezes diz salvaguardar.
É de destacar o contexto do inicio do século XX , época em que o texto foi escrito; pois o próprio texto obviamente revela as ânsias e questões do seu tempo.

Nessa época como hoje em dia de certo modo, as rápidas mudanças sóciais e culturais da civilização ocidental originou uma arte vigente de massas essencialmente de maquilhagem de formas mais do que de essências, isto é obras mais que abortadas, eu diria Travestidas, isto é aparentam ser uma coisa, quando na realidade são outra.
Para tal basta imaginar um edifício que no seu exterior parece um magnifico templo Grego de Mármore, quando na verdade é um esqueleto de betão revestido com outro material. Mas essa arte de maquilhagem vai muito para além da questão material, melhor a questão material é secundária, pois a verdadeira questão sim é a dimensão espiritual da obra e ai é que conceito de arte de maquilhagem ou arte da aparência começa a complicar , pois vai ao mais profundo significar da obra.

Após o que foi dito, anteriormente, seria de certo modo legitimo pensar que a obra que imita o passado é desde logo vazia de significação, enquanto a obra que procura a originalidade e as formas do tempo dito moderna, é por si só cheia de significação e essência.
Infelizmente não é assim, a própria obra rebelde que procura marcar o presente com uma ideia de modernidade , pode facilmente, cair num vazio e numa maquilhagem formal, que apenas procura a atenção e resaltar o indíviduo. Esse tipo de arte pode revelar-se incapaz na sua singularidade comunicar com o outro sujeito e ser uma arte de exaltação do indíviduo individualista e condenada ao ego do seu criador.
Para haver comunicação e mesmo interpretação é necessária a existência de uma linguagem minimamente perceptível que possibilite a comunicação entre a obra e o sujeito.
Por tanto julga-se extremamente necessário na procura da essência do espírito do tempo, ter em atenção o facto de o ser humano, ser um ser simbólico, comunitário e que possui no seu ADN espiritual a ideia de tradição e memória, deste modo a forma nova deve ter em atenção que parte sempre da forma velha, para assim poder aspirar a tornar-se em verdadeira forma artística que possibilite a verdadeira expressão/comunicação de essências através da arte….

Assim finalizo este provocar de reflexão, pois este texto não quer ser em sim a reflexão final sobre o tema, mas sim apenas o inicio uma provocação para …


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